Quando o Anjo Tira Férias por Luana Santahelen… Sezar Kosta
Quando o Anjo Tira Férias
por Luana Santahelena
Hoje acordei com a impressão
de que meu anjo da guarda
assinou um pedido de férias —
e saiu ligeiro, sem bilhete,
sem aquele aviso tênue
que costuma estremecer o ar
antes das coisas darem errado.
Logo cedo, tropecei no passo
que sempre foi seguro;
a chave caiu do bolso
como quem decide desertar;
o café queimou na xícara
e o relógio, zombando,
correu um pouco mais rápido
só para me ver perder o ônibus.
No meio da rua,
o vento soprou contra,
como se fosse cúmplice
de uma travessura cósmica.
E eu aceitei o jogo:
cada fio desarrumado,
cada ruído sem dono,
cada desencontro inesperado,
me dizia a mesma coisa —
estou por minha conta.
Até as palavras, que sempre me vinham prontas,
resolveram tirar folga:
tropeçaram umas nas outras,
deixaram frases sem chão,
me fizeram repetir pedidos
para ouvidos distraídos.
/
Mas, apesar do mundo torto,
de um dia que escorrega dos dedos
como água inquieta,
há algo que ainda me costura ao caminho:
um lampejo breve,
quase tímido,
como quem volta do descanso
ainda se espreguiçando.
E é nesse brilho curto
que deixo minha fé repousar —
na certeza mansa
de que as férias do meu anjo
estão perto de acabar,
e que, em algum momento,
ele vai bater no ombro do destino
e dizer baixinho:
“Pronto.
Estou de volta.”