O Rastro e a Travessia: A Filosofia em Duas Vozes … Gabriel Luz
O Rastro e a Travessia: A Filosofia em Duas Vozes de William Contraponto
Por Neno Marques
Há poetas que escrevem versos. William Contraponto escreve vetores. Seus poemas não se acumulam — se orientam. Essa direção se torna evidente quando aproximamos Ontologia do Legado e O Interlúdio das Verdades Porosas. Eles parecem, à primeira leitura, partilhar o mesmo território temático — o tempo, a passagem, a permanência — mas, na verdade, operam em planos distintos que se iluminam mutuamente.
O Interlúdio das Verdades Porosas pensa o movimento. É um poema sobre o sujeito em travessia, sobre o instante em que a consciência se reconhece no fluxo, lidando com limites, margens, incertezas. O ser aparece como processo, não como substância. É a filosofia existencial manifestada em poesia: o humano em ato, jamais fixo, sempre em trânsito.
Ontologia do Legado, por outro lado, desloca o olhar do caminhar para o rastro. Ele examina o que permanece depois da passagem, não como monumento, mas como metamorfose. O legado, aqui, não é uma herança estática: é aquilo que retorna transformado, moldado pelo tempo, reconfigurado pelas experiências que o tocam. É uma visão pós-estruturalista da permanência — o que se mantém é justamente o que muda.
Nessa complementaridade, William Contraponto faz filosofia. Ele não ergue sistemas; expõe tensões. Ele revela que entre o gesto e o eco existe uma zona onde a existência se dobra sobre si mesma. O Interlúdio das Verdades Porosas pensa a travessia; Ontologia do Legado pensa o vestígio. Juntos, formam uma unidade filosófica em que o ser se mostra duplamente: como movimento e como rastro.
E é nesse espaço — entre o que vive e o que permanece — que a poética de Contraponto assume sua natureza filosófica. Ele pensa o mundo enquanto o sente, e sente o mundo enquanto o problematiza. Sua poesia não explica: revela. Não conclui: desestabiliza. Ele devolve ao leitor o território original da filosofia — a inquietação.
Por Neno Marques