A lei vale só para os inimigos de Moraes

(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de setembro de 2024)

Está valendo no Brasil de hoje uma nova modalidade de “enfrentamento”, palavra requerida pelo vocabulário político da moda, a tudo que o regime considera como ameaça à democracia. A lei, no entendimento do STF e do seu público, tornou-se um estorvo para a defesa do Estado democrático.

Há ali direitos para os acusados e deveres para a polícia — e a soma dessas duas exigências pode trazer todo o tipo de inconveniências para o ministro Alexandre de Moraes e suas esquadras de repressão às práticas golpistas. A solução para a charada, na visão da autoridade suprema, tem sido simples: a lei continua valendo, mas não para todos. Para os que são definidos como indesejáveis, só vale o que o STF diz.

As ilegalidades de Alexandre de Moraes

Digamos que você seja um ladrão confesso do Tesouro Nacional e que tenha concordado em devolver o que roubou para não ser trancado numa penitenciária. A recomendação é ir para o STF, de preferência ao ministro Dias Toffoli, e dizer que os seus direitos foram violados: você na verdade não queria pagar nada, mas foi constrangido a aceitar o acordo. A “Suprema Corte” vai zerar o que você deve — e lhe entregar de volta quaisquer valores que tenha pagado. Digamos, agora, que você seja Elon Musk e opere a maior plataforma de comunicação social do Brasil — onde cada um pode escrever o que quiser e a junta de governo STF-Lula estava debaixo de pancadaria grossa. A rede X se vê expulsa do Brasil, por “não cumprimento de ordens judiciais”, e leva R$ 18 milhões de multas no lombo. As “ordens judiciais” são despachos de Moraes, sem processo legal e sem direito de defesa para os acusados, mandando o X praticar censura. A lei proíbe isso — mas não no caso de Musk, segundo a ciência jurídica ora em vigor no país.

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Da mesma forma, está escrito na lei que uma empresa não pode ser obrigada a pagar dívidas de outra só porque têm ligações entre si. Não passa pela cabeça de ninguém, por exemplo, que o STF tire dinheiro do Itaú para pagar obrigações devidas pela Alpargatas, ou dinheiro da Ambev para pagar o rombo das Lojas Americanas. Mas o X não é nem o Itaú nem a Ambev e, portanto, a lei não vale para ele. Alexandre de Moraes, por conta disso, expropriou depósitos bancários da Starlink e transferiu para o governo, para pagar multas que ele mesmo aplicou no X. São do “mesmo grupo econômico”, decidiu ele. E daí?

Isso só poderia ser feito em caso de fraude — e fraude é coisa que tem de ser apurada em processo penal regular, com provas e a plena defesa do acusado por seus advogados. Mas a lei, aí, é um estorvo para o STF. Tudo bem que ela proteja o Itaú ou a Ambev. Tudo mal que ela proteja o X. Azar do X, então.

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