As 10 ilegalidades cometidas nas prisões do 8 de janeiro
(*) Tiago Pavinatto
A partir de 8 de janeiro de 2023, dois anos atrás, o Brasil começou a enfrentar um dos períodos mais sombrios de sua história: prisões foram realizadas, uma investigação foi iniciada e denúncias foram apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) — prontamente aceitas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Como efeito de uma prevenção processual instantaneamente autoinvocada, em decorrência de inquéritos anteriormente (e sem o respaldo da legalidade em matéria de Direito Penal) instaurados pelo ministro Alexandre de Moraes e, inexplicavelmente, eternos, tanto a competência jurisdicional para analisar e decidir sobre todos os pedidos ao longo das investigações quanto as relatorias de todas as ações penais oriundas das denúncias referentes aos crimes de 8 de janeiro de 2023, sem nenhuma exceção, ficaram a cargo do tal Xandão.
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Passados dois anos, uma significativa parcela dessa multidão, presa em “flagrante” nas imediações da Praça dos Três Poderes, nesta Capital Federal, no fatídico domingo ou na frente de quartéis das Forças Armadas, continua, “preventivamente”, presa.
Mesmo que fossem todos, sem exceção, golpistas armados e indivíduos indubitavelmente perigosos ou psicopatas, essas pessoas são, por dois anos a fio, presos políticos pelas dez razões seguintes:
- As implicações processuais e materiais da modalidade extralegal denominada “crimes multitudinários”, haja vista que, compulsando toda a legislação penal brasileira, a menção a crimes cometidos “sob a influência de multidão em tumulto” ocorre apenas uma única vez na alínea “e” do inciso III do artigo 65 do Código Penal, que, mesmo assim, circunscreve-os como situação mais benéfica ao réu, que, mesmo atuando no tumulto como parte da multidão, não provocou tal comoção; ou seja, na Lei, falar em “crimes multitudinários” é falar, na verdade, em uma circunstância atenuante e, jamais, em uma situação ensejadora de efeitos processuais menos benéficos, de maneira que o réu, participante da multidão, tenha as suas garantias ao devido processo legal reduzidas a pó ou moduladas, como, a título de ilustração, pressupostos processuais relaxados para um positivo juízo de admissibilidade da ação penal pública ou, ainda, a relativização da absoluta obrigação estatal de provar o alegado para a incontornável confirmação do dolo ou da culpa e, somente assim, poder sancionar o réu criminalmente, de maneira que se permitam as medidas penais mais gravosas e o julgamento mesmo na hipótese de ausência absoluta de qualquer prova ou evidência da sua efetiva participação em qualquer ato depredatório e de violência, bem como de incitação a qualquer modalidade de violência ou ato tipificado criminalmente.
- Consequentemente, a violação ao princípio da legalidade, em especial na seara criminal, a requerer, de maneira intransponível e incontornável, a existência da sua previsão legal prévia, escrita e estrita.
- O desprezo às regras processuais que levou a PGR, então sob o comando do excelentíssimo senhor doutor Augusto Aras, a denunciar, perante o STF, mais de 1,3 mil cidadãos brasileiros que não gozavam — nem gozam — de qualquer foro especial por prerrogativa de função, seja porque não enquadrados nas hipóteses constitucionais numerus clausus, seja pela inexistência de qualquer corréu constitucionalmente “privilegiado” também denunciado. Pois, ante a concordância do STF com a tese do ministro Xandão, que reconheceu a competência do Pretório Excelso nacional alegando existirem investigados inseridos no rol de autoridades que gozam do foro especial por prerrogativa funcional, é sabido que, conforme a regra de atração explicitada na vigente Súmula nº 704, de 13 de outubro de 2003, do próprio STF, somente “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”; isto é, deve existir também denúncia formalizada contra o sujeito “privilegiado”, não bastando que ele seja apenas investigado.
- Consequentemente, essa patente afronta ao Princípio do Juiz Natural, que, a priori, representou verdadeira condenação de todos os denunciados.
- A frustração do direito ao habeas corpus, estandarte do Estado Democrático de Direito na História da Civilização.
- Sem foro especial por prerrogativa de função nem a ele conectáveis, conforme disposto na Súmula nº 704 do STF, a evidente negativa aos denunciados ao duplo grau de jurisdição.
- Pelas insanáveis nulidades processuais das denúncias mencionadas acima, uma vez que originadas de um relatório policial revelado nulo, em razão do surgimento (descobrimento mediante vazamento à imprensa) de imagens — em um momento em que significativa parte das denúncias já havia sido apresentada e aceita pelo STF — que mostram cenas, até então, nunca mencionadas com personagens jamais ouvidos pelos investigadores. Afinal, como poderá gozar de qualquer validez jurídica um relatório que, jogando por terra qualquer ideia de respeito à cadeia de custódia, conclui uma investigação que não investigou elementos de prova essenciais disponíveis?
- Pelo indelével ensinamento jurídico de que nulidade não se convalida.
- Pelo injustificável descarte do duplo requisito básico para a decretação da prisão preventiva, qual seja, o fumus comissi delicti indissociável ao periculum in libertatis (e, por tabela, o desprezo às muitas medidas intermediárias e preferenciais elencadas no Código de Processo Penal).
- Mesmo que a OAB silencie ou, até mesmo, discorde, pelas incontáveis, constantes e contínuas afrontas às prerrogativas dos advogados dos denunciados, prejudicados, desde o acesso aos elementos da investigação até as apresentações e apreciações das suas defesas, ao longo de toda a persecução criminal.
O falso golpe do 8 de janeiro
Diante dessas 10 razões e do acovardamento de 99% de nossos parlamentares, deputados e senadores, perante a cornucópia do Supremo Tribunal, tomado por usurpadores sem notável saber jurídico como as terras invadidas por extremistas de esquerda incensados como santos de uma missa negra, incentiva-se o chamado ativismo judicial e, assim, acumulam-se posicionamentos acima da lei ou contra a lei; instiga-se e perpetua-se a insegurança jurídica.
O resultado não é outro senão a negação da democracia. Porque o ativismo judicial é elitista, a exemplo de Carl Schmitt na Alemanha Nazista, de Alfredo Rocco na Itália sob Mussolini e do próprio tirano acadêmico António Salazar, ele pretende-se mais sábio que o legislador, representante do povo; que o próprio povo, portanto.
Hoje, 8 de janeiro de 2025, o golpe faz 2 anos: não aquele supostamente tentado, mas o golpe consumado e travestido de uma democracia que esqueceu de fazer a barba e balança, ao som de um samba de roda de Chico (imune ao pau que bate em Francisco), seus proeminentes ovos mal ocultados pela minissaia da aparente juridicidade.
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