CARIDADE: A PEDRA ANGULAR DA CIVILIZAÇÃO ESPIRITUA… Marcelo Caetano Monteiro
CARIDADE: A PEDRA ANGULAR DA CIVILIZAÇÃO ESPIRITUAL.
Autor/Pesquisador: Marcelo Caetano Monteiro.
Neste trabalho destacamos alguns pontos onde Kardec acentua seus fundamentos doutrinários, preservando a fidelidade textual e o espírito clássico das conferências de Lyon e Bordeaux em 1862. Ao final, apresento minha conclusão.
Quando perscrutamos o estado presente da sociedade, somos levados a supor que sua metamorfose exigiria um prodígio. Contudo, afirma Kardec, esse prodígio é precisamente o que o Espiritismo pode realizar, pois está inscrito nos desígnios superiores. Ele alça como divisa fulcral a sentença que resume toda moralidade cristã: “Fora da caridade não há salvação.” Este ponto é um dos eixos expressivos da doutrina. Kardec contrapõe a verdadeira caridade à máxima vulgarizada do egoísmo: “A caridade bem ordenada começa por si.” O contraste é radical e revela a envergadura ética da reforma espiritual proposta.
Kardec enfatiza que a caridade é vasta: ela se manifesta no pensamento indulgente, na palavra que não fere e na ação que ampara, tornando-se critério de autenticidade moral. Sublinha que o pobre que reparte seu pão possui mérito mais elevado do que o rico que distribui do supérfluo. Aqui Kardec sublinha o princípio meritório da renúncia, um ponto recorrente em sua pedagogia moral.
Ele declara com clareza solar: a caridade é a antítese do egoísmo. Enquanto a caridade afirma “Para vós primeiro”, o egoísmo proclama “Para mim antes de tudo.” Este dualismo é outro ponto axial do discurso, pois dele derivam as tensões sociais que dilaceram a humanidade.
Ao alargar a perspectiva para o coletivo, Kardec observa que o egoísmo cria as categorias de exploradores e explorados, instaurando um inferno social. A substituição dessa lógica pela caridade instauraria a paz, extinguindo o rancor por falta de combustível. Este trecho é um dos momentos capitais da argumentação: a caridade, para ele, não é virtude isolada, mas fundamento das instituições humanas.
É também marcante sua observação histórica: se o homem fosse irrecuperavelmente egoísta, inútil teria sido a vinda do Cristo. Kardec utiliza o progresso civilizacional como prova da perfectibilidade humana, assinalando que cada época julgou ser o ápice. Assim, a perfectibilidade é uma lei natural , ponto que ele realça com vigor.
Kardec distingue ainda o progresso intelectual do progresso moral, explicando que eles não avançam paralelamente. O Espiritismo elucida essa defasagem pela lei das encarnações. Aqui reside outro ponto expressivo: o progresso moral também é inevitável, ainda que mais lento.
Em seguida, esclarece que o reino do bem só se instalará quando o egoísmo for destruído, e a força capaz disso é o amor, cuja expressão social é a caridade. Ele insiste: “A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social.” Poucos trechos de Kardec usam imagem tão contundente; este merece ser sublinhado como um dos ápices de sua visão sociológica.
Ao analisar os sistemas igualitaristas materialistas, Kardec assinala sua insuficiência por ignorarem o elemento espiritual. Destaca que a fraternidade não se decreta: exige coração transformado. Aqui ele expõe, com lucidez rara, que nenhuma instituição pode permanecer se os homens não forem antes preparados moralmente.
Outro ponto expressivo: a ausência de caridade arruína qualquer tentativa de comunidade, porque não se constrói edifício seguro sem materiais sólidos ,e os materiais sólidos são corações abnegados.
Kardec conclui este núcleo afirmando: “Sem caridade, não há instituição humana estável.” A relação entre crença, caridade e estabilidade social constitui uma das doutrinas nucleares do Espiritismo prático.
Ele reforça ainda que o Espiritismo não vem destruir cultos, mas sim combater unicamente o materialismo. E afirma que seu principal inimigo é o orgulho, pois este resiste à moral regeneradora. Este ponto, o antagonismo entre Espiritismo e egoísmo, é reiterado com força.
Kardec explica que, provando a realidade do mundo espiritual, o Espiritismo desloca o eixo da consciência, diminuindo o valor ilusório da matéria e das vaidades. Isso reduz o egoísmo por mudança de perspectiva. Este é outro ponto estruturante: a reforma moral nasce da ampliação da visão espiritual.
Mostra ainda que o bem praticado não é cálculo egoístico, mas investimento moral, conforme ensinou o Cristo. Ele também responde à objeção de que espíritas deveriam ser modelos perfeitos; reconhece que muitos ainda não compreenderam a moral severa que o Espiritismo implica. O trecho mais expressivo desta seção é: “Quando daí saiu uma moral severa e deveres rigorosos, muitos se sentiram sem forças para praticá-la.” Aqui Kardec mostra sua lucidez sobre a dificuldade da reforma íntima.
CONCLUSÃO.
Este discurso de 1862 revela a espinha dorsal da visão kardeciana: a renovação da sociedade não nascerá de artifícios políticos, mas de uma lenta e profunda educação do sentimento. A chave de abóbada é sempre a caridade, não como beneficência, mas como princípio antropológico capaz de reordenar relações, instituições e destinos. Kardec demonstra que a verdadeira transformação é interior e espiritual; sem ela, a engenharia social fracassa, pois não há edifício que se sustente sobre o solo movediço do egoísmo.
Ao reler estas palavras, percebe-se que sua força não deriva de utopia, mas de diagnóstico moral preciso. O ponto decisivo é que o Espiritismo não promete um mundo novo por magia: ele o constrói pela persistência na caridade, que eleva e disciplina o ser. E onde a caridade triunfa, a humanidade descobre sua verdadeira grandeza e desvela horizontes mais altos do que aqueles que a matéria concede.