Governo ‘vestiu a carapuça’ ao recuar do monitoramento do Pix, diz ex-diretor da Receita

O ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, que comandou o órgão em 2019, acredita que o governo Lula errou ao recuar da medida que ampliava o monitoramento das transações financeiras pela Receita, inclusive as via Pix. Para ele, a “emenda saiu pior que o soneto” e a equipe econômica “vestiu a carapuça” ao recuar da proposta diante da pressão popular. 

Na tarde da última quarta-feira, 15, o governo Lula anunciou a revogação da medida diante da divulgação de informações sobre como a nova regulamentação da Receita poderia enquadrar mais pessoas na malha fina do Imposto de Renda — o vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) foi a comunicação mais incisiva nesse sentido. 

O governo também informou que publicaria uma Medida Provisória (MP) para reforçar a gratuidade e o sigilo do Pix. A MP foi publicada nesta quinta-feira, 16.

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“Eu acho que era uma medida correta, inevitável, justificável tecnicamente, e que simplesmente aprofundava ou modernizava mecanismos de fiscalização que já estavam sendo utilizados”, afirmou Cintra ao jornal O Estado de S.Paulo. “Portanto, o uso desses instrumentos não pode, de forma alguma, fazer com que a Receita tributária seja criticada por isso.”

Desde o início da repercussão da normativa da Receita Federal, Cintra repetiu o entendimento de que o arrocho da fiscalização visava combater a sonegação. Assim, ao mesmo tempo em que disse em entrevistas e publicações nas redes sociais que o Pix não seria taxado, ele afirmou categoricamente que “a renda de quem fez ou recebeu o pix será tributada”. 

Atualmente professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cintra considera que o erro do governo foi na forma de comunicar a medida. Ele acredita que era necessário passar para a sociedade que a Receita tem a obrigação de monitorar as transações e que o objetivo da norma era combater a evasão fiscal de grandes sonegadores. Para ele, isso permitiria reduzir a carga tributária sobre os contribuintes que já pagam impostos corretamente.

https://twitter.com/MarcosCintra/status/1879506588874236004

“O governo anunciou muito mal”, disse Cintra. “Se eu estivesse lá, teria passado a seguinte mensagem: nós vamos aprofundar os meios de controle da sonegação através do uso do Pix.” No entanto, ele diz que, em vez de limitar a somatória de transações ao valor de R$ 5 mil, a Receita poderia ter fixado um limite maior, como R$ 50 mil, para alcançar os grandes sonegadores. 

A instrução normativa da Receita, que entrou em vigor em 1º de janeiro, obrigava as operadoras de cartões de crédito e instituições de pagamento a prestarem informações sobre operações financeiras dos contribuintes. Com a nova regra, pessoas físicas que movimentam mais de R$ 5 mil durante um mês teriam seus dados repassados ao governo.

Cintra diz que o recuo passou a sensação de que os opositores da medida estavam certos em criticá-la. “Voltar atrás, para mim, me pareceu ainda mais preocupante, porque mostra que, de alguma forma, o governo vestiu a carapuça sobre temores que claramente foram veiculados de maneira inidônea”, diz ele, em referência às pessoas que disseram que o Pix seria taxado. 

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Tributação do Pix ainda deve acontecer, diz Marcos Cintra

Durante sua atuação na Receita, no primeiro ano do governo Bolsonaro, Cintra defendeu fortemente a tributação dos meios de pagamento, com alíquotas entre 0,2% e 0,4%. A rejeição do Congresso à volta de um imposto nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) custou sua permanência no cargo.

“O ponto positivo é que a revolta do Pix é o primeiro sinal de que a tributação digital do pagamento virá inexoravelmente por bem ou por mal”, diz Cintra, que segue na defesa do novo imposto. “O ponto negativo é que, politicamente, pode custar um preço muito alto para o governo qualquer forma de tributação que incida sobre pagamentos.”

https://twitter.com/MarcosCintra/status/1878827962801295468

No pronunciamento sobre a revogação da medida, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma referência ao governo Bolsonaro, sem citar nomes. “O governo anterior tentou — e fracassou — reintroduzir no sistema jurídico a antiga CPMF”, disse Haddad. 

Cintra teme que, no curto prazo, o uso do Pix diminua e que o uso de papel moeda e cheques volte a crescer no país. “O problema já está gerado: a desconfiança ficou muito assimilada pela sociedade”, disse ele ao Estadão. “O preço vai ser alto, em termos de redução de uso de Pix e Drex.” 

O ex-diretor da Receita diz também que “uma eventual remonetização da economia significa aumento muito grande do custo de transação, que é um dos fatores da baixa produtividade e ineficiência da economia brasileira”.

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