Interromper licitação de empresa israelense é crime, diz especialista

A declaração do ministro da Defesa, José Múcio, de que ‘questões ideológicas’ barraram uma licitação no governo federal vencida por empresa de Israel se enquadra em um crime de antissemitismo, segundo o advogado Fábio Bisker, pós-graduado em Direito Contratual pela PUC SP.

“O antissemitismo vem exatamente porque um dos princípios é o da impessoalidade”, afirma Bisker a Oeste. “Quando se começa a selecionar esse ou outro licitante por conta de alguma atitude que ele tenha fora do âmbito licitatório, ou seja, do que ele faz fora desse espectro que seja comercial ou do interesse do Estado, é óbvio que você está agindo de forma antissemita.”

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Bisker ressaltou que o governo brasileiro, conforme afirmou Múcio, deixou, até o momento, de comprar um produto de uma empresa israelense que venceu a licitação, em abril último, e foi considerada a melhor opção pelo Estado brasileiro. Isso também é ilegal, na concepção o advogado.

Múcio se referia a uma licitação vencida em abril pelo grupo israelense Elbit Systems para a compra de viatura blindada de combate obuseiro.

“Houve agora uma concorrência, uma licitação… Venceram os judeus, o povo de Israel, mas, por questão da guerra, do Hamas”, declarou Múcio, na terça-feira 8, durante evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).. “Nós estamos com essa licitação pronta, mas, por questões ideológicas, nós não podemos aprovar.”

O ministro disse que o Tribunal de Contas da União (TCU) não autorizou que a licitação fosse passada para o segundo colocado e, por isso, o processo está parado até que essas questões sejam resolvidas.

“O produto é melhor e mais barato para o Estado; só porque o governo de Israel está em guerra com o Hamas, você está prejudicando o Estado porque você não gosta da política de Israel. Essa visão aí, para mim, está muito clara. Então você está ofendendo o princípio da impessoalidade e da igualdade”, afirma Bisker.

A Elbit Systems, vale ressaltar, não tem participação do governo de Israel. Possui duas subsidiárias que integram a Base Industrial de Defesa (BID) brasileira: a AEL Sistemas, em Porto Alegre, e a Ares Aeroespacial, no Rio de Janeiro.

Bisker ressaltou que, no próprio edital, não há nenhuma ressalva em relação à participação em guerra ou situações similares.

“Não houve no edital nenhum tipo de condição para isso, tipo, a empresa não pode estar participando de guerra, como houve da própria fala do ministro José Múcio, em relação à questão da Ucrânia”, observou o advogado. “Se isso não é um condicionante para a empresa participar ou não deste certame [relacionado à empresa israelense], também não pode servir para desclassificá-la.”

Para Bisker, a rejeição do TCU à ideia de tornar a segunda colocada vencedora evidencia mais uma vez a ausência de motivação legal para desclassificar o primeiro colocado. O tribunal, realça ele, protege os princípios da administração pública, considerando inadmissível qualquer decisão fundamentada em preferências pessoais do Poder Executivo.

“Você não pode desclassificar uma empresa em prejuízo do Estado, por uma vontade sua, do Executivo, no caso somente do presidente da República, que, por não gostar do governo de Israel, simplesmente desclassifica uma proposta que é mais vantajosa para o Brasil. O TCU vê isso como inadmissível ou até mesmo ilegal.”

Ele cita o artigo 5º da lei 141133, que, segundo sua visão, está sendo desrespeitado. Esta lei estabelece que, em sua aplicação, devem ser observados princípios fundamentais como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e interesse público.

A norma também enfatiza a necessidade da probidade administrativa, igualdade, transparência, motivação, e a vinculação ao edital. Tudo isto, de acordo com o artigo, com vistas a garantir julgamentos objetivos e segurança jurídica, além de promover a competitividade e o desenvolvimento sustentável no Brasil.

Várias medidas poderiam ser tomadas contra os responsáveis pela interrupção do negócio. Bisker explica que a parte prejudicada – a definir se é também o governo israelense ou apenas a empresa afetada – possui o direito de recorrer.

Se a parte vencedora perder a licitação pelas questões citadas, deve solicitar uma revisão. Caso a decisão seja mantida, poderá entrar com uma ação.

Ele sublinha que, independentemente do crime de antissemitismo, desclassificar o primeiro colocado em favor do segundo, sem uma justificativa legal válida, já configura uma violação das normas licitatórias. Por infringir o já citado princípio da impessoalidade.

Ação contra os responsáveis

Na questão do antissemitismo, então, ele acredita que a responsabilidade deve ser compartilhada entre todos os envolvidos, dependendo de quem ordenou a desclassificação, incluindo, caso seja comprovado, o presidente da República.

“O antissemitismo é crime de discriminação, então aí existe sim uma ação de responsabilidade civil de todos os envolvidos nessa decisão”, afirma Bisker.

“Se a ordem partiu do presidente da República, do chefe do Estado Maior ou de quem quer que seja, para não declarar vencedora a empresa ou o governo de Israel, por Israel estar em guerra ou por ser uma empresa de origem judaica, a questão extrapola e há a prática do antissemitismo, passível de ação de responsabilidade.”

Pelo fato de se tratar de autoridades da República, os trâmites seriam diferentes em relação a um cidadão comum, observa o advogado.

“É óbvio que se fossem particulares, aí você já entraria diretamente com uma denúncia no Ministério Público pela prática do crime, mas, como se trata de uma autoridade de Estado, aí essa denúncia tem todo um trâmite especial, porém cabe a ação de responsabilidade pelos atos praticados.”

Bisker também afirmou ser redundante o fato de o governo ter considerado desnecessária a intervenção do ministro sobre o processo licitatório. Ele ressaltou que todas as informações relevantes já eram de domínio público, conforme os princípios da publicidade que regem as licitações.

“Múcio trouxe à tona questões que, embora merecessem atenção, já estavam oficialmente divulgadas no Diário Oficial, reforçando que o processo é transparente e acessível a qualquer interessado”, afirmou o advogado. “Portanto, sua fala não revelou informações sigilosas, mas reiterou a importância da transparência nos procedimentos licitatórios.”

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