Jornal alemão denuncia ‘cultura de privilégios’ dentro do STF

Uma reportagem do jornal alemão Handelsblatt criticou o Supremo Tribunal Federal (STF) e expôs o que descreve como uma “cultura de privilégios” dentro da Suprema Corte brasileira. A matéria foi publicada nesta terça-feira, 31.

O texto, assinado pelo jornalista Alexander Busch, detalha benefícios considerados excessivos concedidos aos magistrados, questiona a independência do Judiciário e sugere que o sistema jurídico brasileiro estaria moldado para garantir vantagens a uma elite de juízes e procuradores.

O artigo destaca que a estrutura judicial do Brasil se transformou em um aparato que concentra poder e privilégios, uma “casta” intocável. Como exemplo, o veículo cita os longos períodos de férias dos magistrados, que chegam a 60 dias por ano, o dobro do tempo concedido à maioria dos trabalhadores do país.

Além disso, ressalta que muitos juízes acumulam férias não utilizadas para vendê-las posteriormente, o que aumenta seus rendimentos de forma expressiva e moralmente questionável. A reportagem menciona que os benefícios vão além das férias prolongadas.

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Juízes e membros do Ministério Público recebem uma série de auxílios, como subsídios para moradia, alimentação, transporte, vestuário e até mesmo funerais. A cobertura de saúde para os magistrados e suas famílias, considerada uma das mais caras do Brasil, também é custeada pelo Estado.

A publicação alemã ressalta que “os juízes justificam os privilégios alegando a alta carga de trabalho e o estresse da função”, mas observa que a prática de acumular benefícios se tornou uma norma no meio jurídico.

Outro ponto central da matéria são os eventos organizados por ministros do STF, como o tradicional encontro promovido por Gilmar Mendes em Portugal, apelidado ironicamente pela mídia de “Gilmarpalooza”.

O evento reúne ministros do Supremo, empresários, políticos e advogados em encontros patrocinados por grupos que possuem interesses diretos em processos em tramitação no próprio tribunal. O jornal questiona a ética destas interações e argumenta que “os juízes e promotores são financiados por aqueles cujos interesses devem julgar”.

O jurista Conrado Hübner, especialista em direito público e docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, comenta na matéria que o evento se trata de “um grande lobby jurídico disfarçado de conferência acadêmica”.

STF na mira dos alemães

Além das regalias, a reportagem também sugere que a autonomia do STF pode ser usada para blindar seus próprios membros de investigações sobre corrupção. O Handelsblatt menciona a Operação Lava Jato como um exemplo do comportamento controverso do Judiciário.

A investigação inicialmente recebeu apoio de diversos magistrados, mas, segundo o jornal, quando os primeiros indícios de corrupção começaram a envolver membros da alta cúpula da Justiça, houve uma mudança de postura. Sentenças foram anuladas e processos desmantelados, com o próprio Supremo destinado a assumir um papel de protagonista na reversão de condenações.

A publicação também cita a trajetória de Ricardo Lewandowski, que, pouco tempo depois de se aposentar do STF, foi contratado como consultor jurídico da holding J&F, envolvida em diversos escândalos de corrupção e que havia sido alvo de julgamentos no próprio Supremo.

O jornal também lembra que Lewandowski voltou à administração pública como ministro da Justiça do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o que reforça a percepção de um Judiciário que transita entre a toga e o poder político. Para o jornal, a falta de mecanismos de controle sobre a atuação do STF fortalece uma cultura de impunidade e privilégios.

Sessão solene de posse de Flávio Dino como ministro do STF
Sessão solene de posse de Flávio Dino como ministro do STF | Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF

O jornal cita dados da organização Transparência Internacional, que classifica o Brasil como um dos países mais afetados pela corrupção entre as democracias emergentes, e menciona que os custos do Judiciário brasileiro consomem 1,6% do Produto Interno Bruto nacional – um porcentual superior ao da Alemanha (1,4%) e muito acima do da Suíça (0,28%).

Segundo Bruno Carazza, jurista e economista entrevistado pela reportagem, “a justiça brasileira opera como uma monarquia dentro da democracia”, onde magistrados e promotores se tornaram uma elite que acumula benefícios enquanto a população paga a conta.

O Handelsblatt levanta a necessidade de reformas no Judiciário brasileiro e sugere que um código de conduta mais rígido deveria ser implementado para ministros do STF. No entanto, Alexandre de Moraes teria rejeitado esta possibilidade e afirmado que “os juízes já seguem os princípios éticos estabelecidos pela Constituição”.

Leia também: “A tutela suprema”, artigo de Rodrigo Constantino publicado na Edição 245 da Revista Oeste

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