Um país de duas pautas e covardes perseguições

O deputado Marcel van Hattem, do Partido Novo, denunciou da tribuna, no exercício de sua função legitimamente consagrada pelo voto popular e protegida pela Carta Magna brasileira, as ações de um funcionário público, o delegado Fábio Alvares Schor, responsável por inquéritos supervisionados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O diagnóstico exarado por Marcel foi de que o delegado se portou de maneira, para dizer o mínimo, incompetente e irresponsável ao prender Filipe Martins, ex-assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, com base em um documento editável do Word que listava o alvo entre os membros da comitiva presidencial que iria para a Flórida no final de 2022. Marcel também apontou o dedo para Schor por acuar a filha de 16 anos do jornalista Oswaldo Eustáquio, pedindo a prisão de sua mãe caso ela usasse redes sociais — uma menina, repita-se, de 16 anos. 

O deputado está sendo indiciado por essas declarações. Esse teria sido o seu “crime” — o crime de “parlar”, tarefa que se espera, por definição, de um parlamentar. Felizmente, a Procuradoria Parlamentar da Câmara dos Deputados não se manteve em silêncio. Manifestou-se afirmando que o discurso do deputado “integra o exercício legítimo de seu mandato popular” e está resguardado “pela liberdade de expressão e pelo direito de crítica”, merecendo proteção do artigo 53 da Constituição Federal, que garante inviolabilidade aos parlamentares por quaisquer opiniões, palavras e votos. Disse ainda judiciosamente que apenas a instauração do inquérito já caracteriza “uma forma indireta de perseguição política”.

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Essa defesa proveniente da Casa legislativa não foi apenas uma defesa da pessoa ou do cidadão Van Hattem, mas também a verdadeira defesa da democracia, que uma quantidade crescente de tiranetes no Brasil julga ser mais ameaçada pelas palavras de cidadãos conscientes que por suas atitudes vexatórias de censura e intimidação. Não tardaria para que um dos poucos representantes eleitos pela sociedade brasileira que ainda se mostram capazes de erguer a voz em defesa dos nossos mínimos direitos individuais fosse alcançado pela sucessão de descalabros inconstitucionais e arbitrários que vêm caracterizando o regime estabelecido no Brasil pelo consórcio de conveniência entre cúpula do Judiciário, Poder Executivo e setores da grande imprensa, unidos pela identificação de inimigos terríveis em comum, escondidos debaixo da cama donde “brotarão” prontos a destruir as instituições, e pelo desejo de rechaçar aceleradamente qualquer desafio às suas pretensões censoras.

As pautas em discussão

O país em que se dá, no dizer da Procuradoria parlamentar, autêntica perseguição política a Van Hattem é hoje uma nação continental sem problemas, sem adversidades, sem reformas importantes a discutir, sem questões fundamentais a devassar. Todas as pautas e preocupações desse vasto e incólume país se resumem absolutamente a apenas duas:

  1. o golpe fascista da extrema direita das redes sociais que precisamos continuamente, com o perdão do incômodo gerúndio, “estar evitando” a todo momento já há dois anos, custe o que custar, seja com vazamentos seletivos de inquéritos infinitos, seja com projetos de regulação das mídias para salvar a democracia; e
  2. como fazer para subtrair mais recursos da população, pois esse é o único método aceitável para “aliviar” as contas públicas.

Ambas as pautas tediosamente “metralhadas” pelos canais oficiais e meios de comunicação servem apenas a um propósito: arrumar maneiras de aumentar com a máxima urgência o poder da coalizão autoritária que hoje governa o país.

Nada mais importa, nada mais é repercutido por boa parte da imprensa, nada mais é debatido, nada mais é divulgado, nada mais está acontecendo. O Brasil é um país que só tem dois problemas. Você, que pensa ao contrário, é otário ou inimigo. Melhor que se cale ou poderá sofrer as consequências.

Leia também: “O golpe impossível”, artigo de J. R. Guzzo publicado na Edição 245 da Revista Oeste

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